quinta-feira, julho 21, 2005

Da evolução de cães e gatos

Dada a convivência conosco, ao que tudo indica, voluntária, é de supor que cães e gatos devem seguir-nos e, talvez num período muito curto, atingir grau semelhante na corrida evolutiva. Decerto nos estudam e, cada qual ao seu modo, criam pacientemente as condições de suas escaladas: é suficiente observar-lhes as escolhas, dentre tudo quanto lhes oferecemos, para o concluirmos.

Nem os símios, apontados pela genética como nossos primos e, devido à semelhança orgânica, mais dotados para imitar-nos o comportamento, parecem interessados no que insistentemente tentamos ensinar-lhes, demonstrando preferência pela vida silvestre. Talvez as condições de seu aprendizado, o mais das vezes estabelecidas com a objetividade dos profissionais da ciência e na frieza dos laboratórios, estejam longe das ideais.

De outro lado, não sendo também menos vítimas do experimentalismo científico, os nossos estimados bichos domésticos desfrutam de pedagogias mais amenas, a começar pelas 'salas de aula', instaladas nas próprias habitações de seus instrutores. Em resposta, não obstante lhes dedicarmos cuidados quase idênticos, obstinam-se cânidas e felídeos em desenvolver hábitos radicalmente distintos.

Já tive convivência estreita com uns e outros, alternadamente, em diversos períodos de minha vida, quando morei em casas com espaço bastante para que exercessem suas idiossincrasias. Bem conheço, portanto, os paradoxos da afeição excessiva dos totós e da circunspeta indiferença dos bichanos, mas só ontem, cruzando num intervalo de meia hora o poodle e um sedentário gato bicolor de dois vizinhos, dei-me conta disso ao tempo em que era atravessado pela suspeita de cumprirem as duas espécies projeto milenar de aproximação e apropriação de tudo quanto humanos vimos construindo, cada qual, entretanto, consoante objetivo exclusivo.

A efusiva receptividade do cãozinho ao me ver, irrefreável - a despeito da coleira e dos ciúmes do dono - e não menos inconveniente, enlameando-me a roupa, contrastava com o obeso desinteresse do felino pela aproximação da minha mão previamente banhada, digo, livre de odores indesejáveis, mal se dignando a me dirigir o focinho e, sem alterar o passo lerdo e leve, seguir seu caminho. Tendo em conta a notável comunicação das duas espécies com a nossa, bem como a progressiva adaptação de ambas a costumes e habilidades tidos antes como exclusivamente humanos (banhos, tosas, perfumes, shampoos, alimentos processados, manejo de alguns instrumentos como portas, botões etc), concluí que esses bichinhos evoluem na nossa esteira e por opção própria - ou já teriam ganho mundo faz tempo! Mas haverá ao menos uma diferença fundamental entre as possíveis civilizações futuras de cães e gatos: os primeiros, pelo jeito, seguirão à risca o padrão que lhes ensinamos, enquanto os outros certamente não incorrerão nos mesmos erros.

Waldemar M. Reis

Rio, 10 de maio de 2005

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