domingo, abril 28, 2013

Por que tem de estar só.

Porque, ora, já lhe basta carregar a própria hipocrisia, a própria impotência para se tornar o indivíduo melhor que entende dever ser. Já lhe basta o incômodo permanente de não encontrar o que as justifique. Daí então a tolerar quem acredita ter as mais justas razões para conservar-se hipócrita e para sequer tentar tornar-se indivíduo melhor, está seguro de o entenderem quando afirma ser isto demais para uma sensibilidade combalida como a sua.

quarta-feira, abril 10, 2013

Penso, logo,...

...  desisto. Há quem não creia, mas essa é uma das convicções com freqüência atribuídas ao chamado espírito prático. Nesse contexto indica de hábito a ineficácia do pensamento quando uma outra ação é requerida - em geral em caráter de urgência - na solução de seja o que for. Aqui pensar confina com postergar e, em fim de contas, com inação, inércia. Para esse espírito o pensamento é usado em vetar a quem dele se vale o acesso à oportunidade e, embora pareça inverossímil, é a um raciocínio - ao pensar, portanto - que deve esse juízo, e cujas linhas gerais podem escrever-se: ora, nem todo ato dá com a oportunidade, seja ou não seja ele determinado pelo pensamento, tornando-se assim irrelevante para o sucesso de uma ação que se a preceda de ponderá-la.

E que se imbua de tolerância para com o espírito prático o espírito mais tendido a ponderar, uma vez que parece aquele encontrar apoio para sua tese na irretorquível ciência, segundo a qual, se bem entendi, os membros do nosso corpo estão habilitados a atuar também de modo autônomo, ou seja, sem o concurso do órgão a que presentemente atribuímos o papel de pensar, o cérebro. (A maior compreensão dessa descoberta, é de temer, deverá de futuro ter importância crucial no que há de passar em julgado, se já não a tem, servindo-nos inclusive para melhor compreender a sabedoria judicial antiga, cujas sentenças capitais vez por outra referiam, em lugar de indivíduos, partes destes, as que de certo cometeram  - e quiçá à revelia - os crimes de que os acusavam.)

Mas além da vetusta ciência - que, como a entendemos hoje, nem é tão idosa assim - há também fator quiçá mais incisivo no veredito favorável à ação imediata, fator esse alçado a posição das mais influentes no quotidiano das gentes, a saber, o tempo. Não seria de surpreender se uma enquete criteriosa acerca do que isto de fato seja ou representa para quem dele fala - o que, no caso do tempo, parece em princípio ser o mesmo - no-lo definisse como aquilo que a todos falta ou, no mínimo, como o que temos todos muito pouco à disposição. E aqui ao espírito ponderador poderia seduzir a possibilidade de interpretar esse resultado como apenas exprimindo a consciência de ser transitório o indivíduo, da qual, crê, nem o mais radical espírito prático seria capaz de isentar-se. Já este tenderia a rir-se de tão singela interpretação, uma vez que, embora a contragosto, incessantemente pensa, é evidente, como qualquer um (não o pode evitar), e assim a tem por lugar comum, não o preocupando senão o quanto lhe é possível obter, realizar, com o pouco que lhe falta até deixar de existir. E desse pouco, por pouco ser para tantos, lamenta ele, justificando-se, ainda há quem lhe tire porção, disto lhe sobrando o bastante para que jamais cogite de investi-lo no pensar, pelo qual se arriscaria inclusive a convencer-se da inutilidade ou inoportunidade de reaver o que lhe tomaram e mesmo da indignidade de fazer igual a quem seja.

Por essa e outras razões é possível cogitar para o espírito prático uma variação do seu seu lema, que por praticidade manteria sua estrutura sintática e mesmo os termos iniciais, substituindo apenas o último por 'resisto'. O sentido final permanece aqui inalterado, sendo bastante perguntar a quem o professa de que desiste ou a que resiste quando se põe a pensar, apenas para o conhecer em toda a sua prática ambigüidade: ora, diria,  quando se pensa  desiste-se de - ou resiste-se a - agir de imediato tanto quanto pensar mesmo esse agir, uma vez que é aconselhável desistir de ponderar uma ação - ou resistir a pensá-la de antemão - caso não se queira, inclusive, desistir da oportunidade - ou caso não se queira resistir a realizá-la.

Neste ponto sorri o espírito ponderoso, um sorriso que lhe é próprio, algo búdico, compassivo, mas que não esconde ironia fina. Seja talvez essa a única maneira de chamar ao espírito prático a atenção para si antes de este desembestar na atitude a que mais recorre, seguir em frente. É que, como é de adivinhar, tem algo a dizer do raciocínio que supõe o espírito prático justificar o seu modo de agir. E assim  é que este, um tanto a contragosto, posterga sua ação preferida para inteirar-se de que, ora, se o ponderar não garante em absoluto o sucesso no agir, melhor fosse, quiçá, não agir de todo, deixando ao mundo, em si ativo, agir sobre si, sujeito; enfim, deixando ao acaso o que ao acaso já está. Mais: em se contando ser o pensamento igualmente ação, algo de que o espírito prático parece esquecido, que se desista então de - ou resista a - pensar de todo, inclusive, sugere o espírito ponderoso, certo, entretanto, de ser tal impraticável por quem seja - e isto diz com um rabo do olho para o autointitulado espírito meditativo, em lótus e que com costumeira maestria não dá mostras do que for, como se, com efeito, fosse o único em suceder à interrupção do fluxo pensante, como alega repetidamente após esses transes (e quanto a isso o espírito ponderoso nada tem a dizer, cônscio de ser tema por inteiro alheio ao escrutínio de sua razão, uma vez ter jamais sucedido em livrar-se dela ou de qualquer outro tipo possível de pensamento - a despeito de insistentemente instruído pelo meditador - e, naturalmente, por lhe ser intangível a experiência privada desse instrutor, contentando-se portanto com tão-só ouvi-lo). E é desse modo, em pleno gozo de sua impotência para recusar a própria capacidade pensante,  que o espírito ponderador pontua, finalizando: penso, sim, logo, insisto.


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