sábado, julho 20, 2013

Para assegurar-nos de que não é assegurado (To ensure us that it is not assured)

O sistema de Berkeley tenta mostrar o quão benevolente é Deus por 'falsificar' para nós o mundo, sem o que a nossa convivência com Ele seria certamente insustentável. Ele simplesmente não pode ser seu amigo, não, pelo menos, da maneira que você pensa ou deseja. Por fim, deixe-O estar e aprecie o que você vê.

Em geral, os fenômenos descritos pelo sobrenaturalismo merecem menos ser estudados pela ciência do que quem os descreve e neles acredita.

O sobrenaturalismo tenta fazer o que a ciência faz: descrever o mundo. Portanto, seria errôneo, se não malévolo, não chamá-lo de conhecimento. Malévolo porque às vezes é feito de boa-fé e errôneo porque muitas vezes é falso, equivocado, enganoso, mas ainda conhecimento.

Talvez o fracasso mais marcante do sobrenaturalismo seja contar com hipóteses improváveis antes de esgotar as verificáveis, um problema vez ou outra acossando a ciência quando seus praticantes perdem a paciência necessária para testar, assim crescendo (ou diminuindo) em imaginação. Um bom exemplo disto é o dualismo de Descartes, uma doutrina incapaz de explicar como a substância pensante que postula se liga à matéria. E quem pensa que isto é apenas história está absolutamente errado.

Mas não, Berkeley não é um sobrenaturalista. Ele apenas mostrou como delírios podem ser postos de modo a não poderem sequer ser submetidos a testes, como os delírios são uma característica marcante nossa e como, no entanto duvidando do que supomos saber, nunca vamos ter certeza de qualquer conhecimento. Por exemplo - e essa observação não é minha, mas de um astrônomo : e se todo conhecimento é fruto do acaso, um acaso que até mesmo os nossos cálculos mais precisos não são capazes de estimar? Desnecessário dizer, você nunca vai ter certeza de se o que eu estou dizendo aqui é verdade.



Por que? Bem, primeiro, porque isso que você pensa do que estou dizendo, seja o que for, é suposto estar em sua cabeça, enquanto o que estou dizendo está aqui, duas coisas, diferentes, apenas correlatas, sem qualquer ligação causal, daí que porventura só os seus pensamentos podem causar uns aos outros; e, segundo, porque mesmo que algum de seus pensamentos possa causar a verdade de outro, ele tem de ter sua verdade causada por um terceiro pensamento, este por um quarto e assim ao infinito. Imagino que você não terá o tempo nem a paciência de verificar toda essa cadeia, caso fosse possível, embora não seja preciso ser um gênio da lógica para ter certeza de que tal é verdade: não é assim?


Pensamentos como aquele são com efeito um espinho na cabeça de um filósofo, verdadera invasão sobrenaturalista às crenças que ele cria verdadeiras. Conselho de outro filósofo: sempre que isto acontecer, não revide: não há como vencer; apenas ignore. Certamente uma solução um tanto sobrenaturalística para um problema sobrenaturalístico, por acaso o padrão de solução dada por todo autointitulado racionalista para seja o que lhe cheire a sobrenatural.

Necessário dizer, essa não é a melhor maneira de conhecer ou descobrir coisas. Pois embora frequentemente falsas, as assunções sobrenaturalistas nem sempre o são, e assim a investigação do que legitimamente alegam pode alargar a cosmovisão naturalística, que por certo  incluiria um perfil mais acurado, não tão mau ou estúpido, do sobrenaturalismo. Você acredita? Caso não, tudo bem. Basta virar a página.


(Berkeley’s system tries to show how God is benevolent by 'faking' for us the world, without which our acquaintanceship with Him would be surely untenable. He just can't be your pal, at least not in the way you think or desire. Ultimately, let Him be and enjoy what you see.

In general, phenomena described by supernaturalism deserve less be studied by science than who describes and believes in them.

Supernaturalism tries to do what science does: describe the world. So, it would be erroneous, if not malevolent, not to call it knowledge. Malevolent because sometimes it is done in good faith, and erroneous because it is often faked, mistaken, misleading, but is still knowledge.

Perhaps supernaturalism's most striking failure is to rely on improbable hypotheses before exhausting testable ones, a problem that every now and then harasses science when its practitioners lose the necessary patience to test, thus growing (or shrinking) in imagination. A good example of this is Descartes dualism, a doctrine unable to explain how the thinking substance it postulates is linked to matter. And who thinks this is just History is dead wrong.

But no, Berkeley is not a supernaturalist. He just showed how delusions can be put so that they can't even be submitted to tests, how delusions are a remarkable feature of ours and how, however doubting what we suppose we know, we'll never be sure of any knowledge. For instance - and this observation is not mine, but an astronomer's: what if all knowledge is due to chance, a chance that even our most accurate calculations aren't able to estimate? Needless to say, you won't ever be sure if what I'm saying here is true.


Why? Well, first of all, because whatever you think about what I'm saying is assumed to be inside your head, while what I'm saying here is here, two different, just correlate things without any clear causal tie, so that maybe only your thoughts can cause one another; and secondly because even if any of your thoughts can cause another to be true, it must be itself caused to be true by a third one and this one by a fourth one and so on to infinity. I suppose you won't have the time or the patience to check all the chain, if that is possible, although one must not be a logic genius to be sure this is true: is it so?


Thoughts like this one are indeed a pain in a philosopher's mind, a true supernaturalist invasion of his fortress of beliefs he believes true. Another philosopher's advice: whenever it happens, don't fight back: there's no way to win; just ignore. Indeed a somewhat supernaturalistic solution to a supernaturalistic problem, incidentally the standard solution every self entitled rationalist gives to no matter what smells supernatural.


It must be said: not the best way to know or discover things. For though often untrue, supernaturalist assumptions aren't always so, and thus investigating its legitimate claims can enlarge naturalistic world view, in which would certainly be included a more accurate and not so mean or stupid supernaturalism profile. Do you believe it? If not, it's OK. Just turn the page.)

sábado, julho 06, 2013

Em que tem de crer

Sim, crê num deus. Não tem escolha sempre que se inteira de ter vindo de alguém e de que estes vieram, por sua vez, de outrem; sempre que se inteira de que tudo parece vir de outra coisa, sem exceção. Em vista disto, arrisca supor que o mundo, em sendo coisas saídas de outras, em algum tempo possuiu coisas primeiras, as quais não foi capaz de imaginar incriadas: assim, visando talvez e somente dissimular para si essa incapacidade, supõe um criador dessas primeiras coisas, mas apenas para se dar conta de agora estar nele a sua ignorância do princípio de tudo. E percebendo que alimentar semelhantes suposições é trilhar caminho sem termo, alentar vertigem sem cura, contenta-se com acreditar ser esse o primeiro a ter criado, o deus.

E então apareces, acoimando-o por achar que o deus em que crê - em que teve de crer - é diferente desse em que crês e que alegas ser único. E lhe demonstras tal singularidade pelos mesmos passos que deu para encontrar esse em que, para conforto de sua ignorância das coisas, teve de crer. E, ora, fossem ainda distintos dos seus os passos que destes para encontrar o teu, é incompreensível que o condenes: pois ou falam do mesmo indivíduo, ou ele não é como o afirmas, único.

No mais, a despeito de tentado, esquiva-se de imaginá-lo como seja para além da unicidade, idéia que acata, embora não veja o por que de a criação não ser obra de muitos: conceber um só, entretanto, é ao menos medida da forçosa economia de uma mente inábil, como a que tem, para com mistérios dessa monta. Dizer mais é enveredar por idéias de que não dá conta, algumas de cujas conclusões, inclusive, desmerecedoras da obra e de quem a fez. Sequer pode mesmo afirmar que não passa esse deus de uma idéia, visto ter sido capaz de conceber um sem número de coisas cujos pares no mundo já deparou e outras que permanecem ímpares. Contenta-se, então, com achar que, se existe, não quer ser conhecido para lá da intuição de que criou e, se proclamou leis, fê-las perceptíveis sem necessidade haver de ser invocado, compreensíveis do próprio entretecer das  coisas. Contenta-se também com se inteirar de teus avanços sobre a natureza divina, não os acatando, no entanto, e espera não vejas nisso igualmente motivo para estranhamento, salvo tenhas gosto por continuar contrariando o que tu próprio afirmas, como dela teres intuído, entre tantas preciosas coisas, a compreensão, a compaixão, a misericórdia.

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