sábado, agosto 01, 2015

Depois de comentarem Chomsky

Um comentário a uma entrevista com Chomsky sobre Anarquismo e 'Libertarismo' alega que esse filósofo não faz jus em suas explicações ao que o 'Libertarismo' com efeito é ou pretende ser, isto é, uma corrente convencida da verdade de uma ilação antiga da economia, segundo a qual o mercado promove justiça, equidade, se deixado 'livre', ao sabor de suas leis. Libertários advogam, quando moderados, o Estado mínimo e, quando radicais, algo que se chamou Anarco-capitalismo.

Diante do fato de uma escorchante desigualdade ter sido o que resultou de toda liberdade desfrutada pelo mercado (que para o libertário ainda é pífia, uma vez que há impostos e  outras regulações) ao menos nesses derradeiros duzentos anos, salta aos olhos a ideia de 'competitividade' ou de 'competição', tida nessa linha de pensamento por condição incontornável da natureza (a humana, inclusive). Quanto a isto cabem ao menos duas considerações:

a) sendo a condição gregária um modo de afastar da grei ou lhe amenizar a competição que não lhe interessa, mantendo, é claro, outras que lhe parecem úteis, interessa saber qual tipo de competição é tolerável no caso do ser 'racional' humano, digo, qual é o gênero de competição que não esgarça ou rompe o tecido social;

b) é mesmo possível que o conceito 'competição' não seja o que há de espúrio no credo libertário, mas sim o tipo escolhido de competição a ser tolerado pela sociedade, uma vez que se o objetivo fosse competirmos por uma 'absoluta' igualdade dos indivíduos, por exemplo, o elemento desagregador suposto ser inerente ou implícito à ideia de competição, ao que parece, desapareceria.

Mas dessa escolha têm-se mantido à distância mercado e seus defensores (que acreditam, inclusive, numa demonstração impossível do conceito de 'liberdade').

A ideia de igualdade é claramente metafórica nesse contexto. Mesmo em termos orgânicos os indivíduos somos somente muito parecidos uns com os outros. As necessidades do organismo, em princípio o motor ou a causa de todas as demais necessidades pensáveis do indivíduo são entretanto refreáveis pela cabeça, daí o recurso eterno à educação, ao exercício continuado do pensamento. Por isso 'igualar' tem função exclusiva de meta da qual parece ser possível somente aproximar-se, talvez jamais tocá-la.

Mas é diferente do sentido usado em 'liberdade', conceito tido por 'a priori' da condição do indivíduo, ou seja, seríamos por natureza 'livres'. Teórica ou praticamente isso é um contrassenso ou uma impossibilidade: em prol da economia de palavras, tome-se apenas a questão prática para dizer que tal liberdade jamais foi observada, uma vez que os indivíduos estão, sim, atados às circunstâncias, das quais também são partes desde os eventos naturais até as ocorrências sociais e por aí vai; a única liberdade observável - e por isso teoricamente descritível (ou teorizável) - é a liberdade 'a posteriori', digo, é-se atado, aprisionado por condição, por natureza, e o que move o indivíduo é justo o livrar-se dessas amarras, ainda que sempre haja outras incontáveis adiante, por mais que tenha sucesso em desvencilhar-se de quaisquer delas.

Isto é vital para a compreensão do nosso mundo gregário, que a despeito de ainda levar a extremos a opressão (ou escravidão - tirando as peias da língua - mal disfarçada), acredita ter cunhado um conceito com que divertir as massas (e inadvertí-las), do qual se tira, como se de cartola, a questão dos 'direitos': temos direitos enquanto condição originária, direitos natos. Na realidade, teórica e praticamente, temos talvez um único direito de nascença (que talvez seja mesmo uma compulsão, um instinto), o de passar a vida livrando-nos dos obstáculos tendo por paradigma uma concepção de liberdade de que, por sua vez, nem sequer é possível aproximar-se (digo, o caso contrário da noção de igualdade): a cada obstáculo vencido a realidade é exata em apresentar não um outro para substituí-lo, mas centenas de outros, sem falar nos não superados e já coexistindo com aquele que por acaso se deixou para trás. Desse viés a condenação dada a Sísifo é análoga à que se deu ao franco-atirador em 'O Fantasma da Liberdade' (de Buñuel): a liberdade, ou seja, a vida como ela é, em princípio indiferenciável de uma pena de encarceramento ou de um rolar ladeira acima um fardo que eternamente rola para baixo depois de se o ter levado ao topo, ainda que alguma vez não o aparente - quiçá por sermos muito esperançosos ou ingênuos.

Enfim, vista deste viés a ideia de liberdade entranha-se na de 'responsabilidade', pois se é de partida responsável pelo instinto ou compulsão de superar obstáculos e além disso tem-se de ser responsável por não obstar a tentativa de superação alheia dos seus, pois isso termina por redundar em obstáculos adicionais para todos. Essa é em linhas gerais a 'equação da vida', nada simples, como é fácil de constatar em simplesmente continuar-se vivendo, mas é o que decorre de por o conceito de liberdade nos devidos trilhos, o que decorre de tomá-lo pelo que em fato é e em teoria é possível: conceito 'a posteriori'.

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