sexta-feira, agosto 16, 2013

Do real na arte

Num contexto como o da nossa cultura uma obra de arte como a literária, por exemplo, não pode ter por significado nada da realidade, ainda que seja classificada como 'realista'. Fora o contrário, seria classificável como obra científica, embora muito provavelmente inverificável e falsa. Pois mesmo existindo pessoas, cidades, animais, bairros, cadeiras, cortinas, casas, anéis, casacas, nada disso é pressuposto existir ou ter existido para que tenha sentido a obra. É evidente, é necessário saber do que se trata cada um dos objetos que a compõem e, caso não conte o autor com o prévio conhecimento que deles tem o leitor, é provável se empenhar em descrevê-los um a um. Assim é que o real não passa de tijolo no interior da obra, elemento com que se tece o sentido intrínseco desta: aliás, o real e o imaginado, segundo os descreva o autor. E assim é que enquanto a ciência procura recriar o mundo em miúdos, a arte - toda e qualquer - se apropria dos elementos deste para criar um mundo à parte e só quando se sai do transe do apreciá-la é possível inteirar-se de que, afinal, não passava de igualmente uma coisa real entre as demais. E sim, é possível que o maior serviço prestado pela arte seja treinar ou habilitar a apreciação a perceber o mundo como arte ou, dizendo-o de outra forma, a demonstrar que o mundo é passível do mesmo tipo de apreciação.

Creative Commons License
This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivs 3.0 Unported License