sábado, julho 16, 2016

Pensamentos em economia

Intróito


Antes de mais: sem essa de achar que não tenho direito de pensar economia, já que, músico, não me intrometo quando você pensa música, o que sempre faz ao por alguma para tocar ou ao falar de suas preferências. Como usuário ou agente inescapável do mercado é inevitavel que o pense, ainda que não como economista, o que é certamente uma vantagem, na medida em que minha opinião não precisa agradar a gregos ou troianos em troca de me sustentarem, o que se entenderá melhor a seguir.

Interlúdio


Como é legivel, humor, se algum, no cáustico, paciência, no vermelho. No fundo, gosto de abordar o tema, mas do viés do aborrecimento, da zanga, pois é sem dúvida o que melhor lhe cai. Assim, se acha que perde tempo em continuar lendo, pare de achar e não o perca ainda mais.

O assunto ele mesmo


Balela isso de dizer que dinheiro precifica coisas, arbitra para elas valores que alguma vez tiveram relação com o que intrinsecamente valem. Valor intrínseco é atributo circunstancial, ainda que a memória o retenha por precaução, e diz respeito à saciedade ou satisfação de necessidade, ainda que tola. Não há no mundo como quantificá-lo com um cardinal impresso em moeda: o que agora vale o próprio avassalamento, depois de saciada a necessidade pode chegar a valer nada ou mesmo a causar repulsa - valor negativo.

O que se precifica, em realidade, é a energia humana, em particular a produtiva, expressa grosso modo no preço do que se produziu. Por modulador dessa valoração tem-se outra forma de energia, a volitiva ou desiderativa, em razão direta do aumento dos preços: assim, se você precisa demais dum salário e deixa isso patente, esteja certo de que obterá menos do que pretendia e sob a impressão de que lhe fazem favor, podendo também obter nada, isto porque seu extremado desejo permite ao empregador superestimar o próprio dinheiro, com que lhe pagará, se for o caso, sem falar em que no restante do mercado o seu ganho terá valor igual ao dos ganhos dos restantes indivíduos, se não menor, a depender sempre do tamanho de seu desejo, é claro.

Outra: é evidente que o mercado está sujeito a influxos como o da sazonalidade, por exemplo, mas bem menos do que nos fazem acreditar. Na verdade em economia as estações correm ao sabor da oportunidade de ganhos maiores, o tempo aí tem estado sob controle humano há milênios sem que para tanto se tenha necessitado de outra tecnologia senão a movida a energia humana, essa do trabalho e, neste caso, principalmente a do desejo. Nunca houve no mercado outra tração além da humana, mesmo porque é ela o que dá sentido à tração animal e à da máquina, que em si mesmas valem nada.

Cenário de outra ação este não é senão a do escravagismo, seja ao modo esclarecido, seja ao dissimulado. Leis que tipificam as chamadas 'condições análogas à da escravidão' não passam de outra balela, a que visa exclusivamente conter os adeptos mais afoitos da forma esclarecida de escravizar, que dela se aproximam simulando a maneira dissimulada a que, via de regra, os demais nos submetemos: parece mesmo que assalariam, mas forçam o trabalhador a consumir a preços imorais e impagáveis o que tão só lhe permite não morrer, condenando-o a débito em crescimento perpétuo. Por função precípua teriam essas leis a de evitar que abusos do gênero, correndo frouxos, terminem por despertar a analogia posta para dormir em nossas imaginações desde quando se aboliu a escravatura descarada, imaginações em tempos de Direitos Humanos, pondo-nos assim a compreender a mecânica da escravidão dissimulada.

Não se engane: não é por estar nas galés, na lavoura ou puxando blocos de pedra na construção das pirâmides que se caracteriza o escravo, que pode até desfrutar do conforto de servir à mesa, de cuidar das crianças da casa, ou do pecúlio modesto que lhe concedem em troca de alguma confiabilidade, de certa conivência. Aliás, vale o lembrete: escravo é aquele que quer muito algo, embora muito pouco disso mesmo. Em outros termos: quer viver, não lhe importando como.


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