sábado, março 04, 2023

Ainda a Fé

"Ora, a Fé é o firme fundamento das coisas que se esperam e a prova das coisas que não se vêem" (Paulo de Tarso)

Dito de outro modo:

"A Fé é o substrato da esperança e a prova do que se está por conseguir".

Ou melhor:

"A Fé é a substância da esperança e a evidência do que se espera".

Observação:

O fato de ser substância não a torna prova - evidência - do que é feito com ela, no caso, a Esperança, muito menos de outra coisa qualquer, no caso, o Esperado. (Por exemplo, a existência do metal de que é feita a tesourinha sobre a mesa não acarreta que haja tesourinhas nem que cortemos as unhas.)

Questão:

Paulo teria 'dado - filosoficamente - a louca', ou estaria definindo a Fé via contradição?

Ensaio de resposta:

Nem uma coisa, nem outra.

Na verdade não há contradição alguma se adotamos a solução de Agostinho, das três Virtudes Teologais, que ele chamou de Fé, Esperança e Amor no Manual que escreveu a seu respeito, em que demonstra como, no fim, consistem numa Virtude única - com três designações, no entanto.

Ora, se a substância da Esperança, a Fé, é idêntica a ela, então não só ela é sua evidência, como evidência, também, de seu objeto, aquilo que se espera (e por isso ainda não visto). Por quê? Ora, por não ser possível Espera (Fé) sem objeto, sem o Esperado.

Portanto, cada instante por vir é objeto da Espera, em seu advento apostamos como que intuitiva ou instintivamente a cada instante que o precede: é desse modo que viver procede, dando o passo que, pouco importa, pode não ser completado, mas que se esperou, em Fé absoluta, dar, completar. O ir em frente na vida é ato de pura Fé como Paulo a definiu, de puro esperar, e de que não é dado renunciar: um indivíduo sem Fé - Esperança - é aquele que já morreu.

E, ora, como não pode ser diferente, o principal atributo do Esperado é o ser bom, mesmo que eventualmente assuma os contornos de algum mal (como o estar vivo ao fim duma guerra, em que foi preciso matar), pois na circunstância é isto que o sujeito, o que espera, tem por algum bem, seja em sua incapacidade de conceber algo melhor ou por isso ser simplesmente o que acredita lhe caber, ser-lhe adequado e, por conseguinte, bom. Quanto ao mal ele mesmo, se categoria assim há, o sujeito antes desepera de que venha ou tenha de ocorrer.

É aqui, então, que se mostra a finura do Paulo catequista da então nascente Fé Católica: todo e qualquer bem esperado tem por necessidade outro que lhe seria maior, O Último dos quais, por assim o ser, também de necessidade sendo a fonte desses outros menores e que, justo por serem bens, consistem em meio de vislumbrar - esperar por - tal Bem Maior (sem qualquer outro concebível que O exceda, diria, mais adiante, Anselmo).

Ora, o fato de não ser possível haver algum bem que exceda o Bem Maior, indica não haver também nenhum que O preceda, que lhe seja menor, porque não pode assim ser, menor, algo que O denota, a impressão de havê-los, menores, sendo atribuível ao patamar donde cada indivíduo é capaz de O vislumbrar, condizente com sua condição de espírito, que condiciona Seu vislumbre a maior ou menor nitidez.

Assim, todos O intuiríamos, Bem Único, ainda que segundo as limitações de cada um, a doutrina cristã vindo a ser o caminho para o refino, a clarificação desse intuir.


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