terça-feira, outubro 09, 2018

Para bom entendedor,,,

...  até meia resposta basta. Entretanto ela é aqui reportada como a ouvi, por inteiro, embora omitindo a fala que a motivou, pois é, além de óbvia, uma questão de higiene e bom gosto mantê-la a distância segura dos olhos.

"Louco? - disse - Nada. Sou como vocês, idiota, e só o admiti depois de compreender o desperdício de energia e tempo que foi procurar mostrar para idiotas o que não querem ver, principalmente se saído das melhores e mais brilhantes cabeças. Entender o que elas dizem foi certamente um feito para alguém do nosso porte mental, mas o obscureci ao querer e tentar fazer com que vocês compartilhassem desse entendimento, coisa a que só mesmo um idiota se prontificaria."

segunda-feira, agosto 20, 2018

-Discordo!

Por resposta, olhar vítreo, imóvel, silêncio.

-O quê?

-Discorda e...

-Discordo e ponto!

-Bem, sou grato pelo elogio, mas tenho de recusá-lo.

-Elogio?

-Sim. Ao me omitir as razões de sua discordância você sugere ou supõe que as conheço ou sou capaz de descobri-las por conta própria, lisonja sedutora de que por honestidade sou obrigado a declinar.

Silêncio, estupefação.

-Não vê? Em primeiro lugar, fosse o contrário, eu não teria aguardado você apresentá-las. Depois, se as conhecesse de antemão, estaria evidente eu não concordar com elas quando expus outras. Por fim, se as admitia e, assim mesmo, insistia nas que você disse recusar, incorri ou em estúpida contradição (assim fazendo jus, se tanto, a sua piedade), ou em imperdoável desonestidade (não merecendo então sequer a gentileza de sua discordância) - o que, me parece, não foi o caso.

quinta-feira, maio 03, 2018

Razão proficente ou 'intuição'

Só o fato de discutir, analisar, a afirmação de a intuição ser substitutivo da razão é indício de o assunto não ser intuitivo, ao menos não no sentido que se faz de 'intuição'. A rigor perceber e compreender, além de semelhantes ou quase sinônimos, são ações que de necessidade passam pelo crivo da razão, no sentido aritmético mesmo, uma vez que, até onde se sabe, na massa encefálica e nas enervações que a completam permeando o restante do corpo tudo se dá, em última análise, por meio de pulsos, os elétricos, ao passo de reações químicas que os estimulam. Som, cor, textura, sabor e cheiro, sem falar na denotação interna, no meio cerebral ele mesmo, disto e do tanto mais que isto faz aparecer ali, como os conceitos, as ideias, tudo se passa no cotejo de pulsos e em sua resultante razão.

Mas nem era preciso ir-se a essas lonjuras ou miudezas porque seguramente a humanidade as ignorava quando se deu conta da analogia de razão numérica e processos cognitivos, que resultam sempre, do cotejo ou comparação de ao menos duas coisas, na ideia ou conceito em que é resumida a operação.  Os antigos já sabiam igualmente que assim como quaisquer dos demais processos do corpo, como o correr, pular, cantar, tocar um instrumento, desenhar, e outros tantos, os da cognição podiam ser aperfeiçoados, inclusive no tocante à rapidez, sem falar na profundidade e no alcance.

De volta aos nossos tempos, hoje se sabe, por exemplo, que o tatibitate dos bebês está longe de ser brinquedo tolo e via de regra as crianças serem mais sincera e rigorosamente científicas em seu escrutínio do mundo do que muitos dos seus pares cientistas por profissão - que por terem mais idade, como já observava Aristóteles, estão mais enfronhados no disse-me-disse da pólis, o que não seria sempre tolerável por um espírito de ciência autêntico. A preocupação com o exercício do corpo como um todo e o desfrute da consequente proficiência parecem inerir à natureza animal antes de exclusivamente à humana: e aí o intuicionismo afobado tenderá a ver o buraco onde proteger-se do que estará certo de ser ameaça à sua existência, no que, é lamentável, se engana, porque o objetivo aqui, como já deve 'intuir-se', é o de ver a intuição como o mais próximo possível do que de fato pode ser.

Em vista de tudo no ato de conhecer ter de passar pela 'ratio', intuir seria, pois, a ação da cognição proficiente, ágil em virtude do treinamento, ao invés de faculdade suplementar e suposta distinta e até superior à de raciocinar. Fosse diferente da razão e efetivamente superior a ela, a própria língua ter-se-ia encarregado de eliminar a porção negativa da dubiedade que muito justificadamente usa para referi-la: na fala comum 'intuitivo' se diz tanto da proficiência constatada como da falha grosseira de um palpite. Insistir em dizer de alguém 'intuitivo' cerresponderia, portanto, a louvar os acertos de suas opiniões súbitas ou a qualificá-lo de improfícuo - ou de coisa pior, como de preguiçoso contumaz.

quarta-feira, abril 04, 2018

Borges: a homenagem é o ultraje

Faz tempo me perguntaram, quando ainda procurava publicar coleção de histórias fantásticas, por que eu escolhera imitar Borges em vez de arriscar caminho próprio. Ora, não pude senão agradecer por me ter atribuída tamanha habilidade, que de todo ignorava. Mas fui também forçado a indagar o que, além do 'Borges' no título e da obstinada menção a alguns de seus temas prediletos e deliberadamente transtornados, teria induzido a verem na simulação adrede abortada do estilo e no abuso de uns tantos de seus hábitos que Borges ali pudesse ser menos que projeto de vida enquanto objeto de estudo, ainda que na forma de literatura, personagem submetido à tragicomédia habitual de ver-se assediar pelo universo criado por ele próprio. Afora o gosto acentuado por falsificar, que emprestou de longa tradição, o único traço genuinamente borgeano do conjunto é provável ser o virulento sarcasmo, tratado entretanto como se passível de potenciação, sarcasmo elevado a si mesmo, escancarado e vil como jamais Borges, o autêntico, se permitiria usar, embora à guisa da insistente homenagem reverberando, atrevida, a cada página, enquanto as compunha tivesse por norte a suspeita infame e vilã de que semelhante ultraje de algum modo o agradaria.

sábado, março 17, 2018

A saída é para fora!

A tragédia está na certeza de que a revolta e o luto justos por mais esta morte renovam a munição de um dos lados nessa guerra sem fim, em outros termos, ampliam a perspectiva de mais mortes, que municiam os justamente revoltados e enlutados por elas, fazendo novos mortos, e assim para sempre nesse ciclo tão antigo quanto esta civilização.

Tudo em nome do controle do mecanismo de controlar gente, a cuja permanência se tem anuído por mera habituação, uma vez que já se nasce sob sua influência.

O fato de haver quem o critique tem sido em grande medida irrelevante para alimentar o suficiente desinteresse por controlá-lo e o consequente fim da conflagração: ainda são muito poucos os que compreendem a inutilidade de se batalhar pelo que não comporta alterações que o desviem de fazer aquilo para que foi engendrado.

Além de não haver como consertá-lo, porque não há conserto para o que não apresenta disfunção e tem servido muito bem aos propósitos que lhe justificam existir, não se presta também a servir na transição para o próprio fim (como podem até se prestar alguns de nós a cavar a própria cova antes de executados).

É como diz a ladainha dos que o defendem, que ademais da franqueza crua são provavelmente os únicos, à exceção de quem não vê sentido em cotrolar gente seja como for, a dizer sem rodeios a verdade: adapte-se a ele ou pereça ou, caso encontre algum buraco fora de sua influência, transfira-se para lá, abandone-o; porque sob sua alçada o jogo é consabido e em vista das regras é muito mais provável ser imensamente maior o número de perdedores do que o dos que ganham.

Desistir deste Estado que existe para o manejo das finanças, que por sua vez são incapazes senão de malversar a distribuição de riqueza, não é desistir do Estado no sentido essencial, pois Estado é o que carrega consigo todo grupamento de indivíduos ao meramente interagirem.

Abandonar o Estado financeiro, única alternativa dos que o crticam com sinceridade, é em princípio devolver a noção de valor à condição original, a de derivar do diálogo de necessidade e esforço - ou trabalho - para obter aquilo de que se necessita, e reaprender a lidar com ela sem intermediário, assim como é abrir mão de esperar que seja possível encontrar a equivalência justa do que é trocado, que só existe se imposta, ainda que sob a ilusão de resultar de acordo.

Abandonar o Estado financeiro é, portanto, reingressar no esquecido universo do compartilhamento do que é necessidade universal e, em consequência, responsabilidade de todos, deixando para trás, também, líderes, guerras e seus mártires.

segunda-feira, fevereiro 19, 2018

Ainda 'a liberdade'

"Liberdade de escolha" ou "liberdade para escolher": continuo ouvindo a cantilena sem ser capaz de fazer dela sentido. Afinal não é toda escolha orientada por um critério (que pode até set o 'uni-duni-tê') além de ter por finalidade livrar quem a faz de algo (ou melhor, de uma necessidade)? A liberdade seria então uma consequência - ou uma expectativa - da escolha, e a escolha, por sua vez, seria sempre determinada por uma pressão, a pressão de que o sujeito que escolhe quer ver-se livre e de que se livrará se a escolha for acertada.

A circunstância de alguém tolher uma dada escolha de outrem é comum, além de ser sinal de que este indivíduo tem de fazer, antes desta, uma outra escolha, a que vai livrá-lo de ser tolhido - ou de quem o tolhe!

terça-feira, janeiro 23, 2018

... para lembrarmos de agora, de quando ainda não somos inteiramente coisas

'Bernays inventou a propaganda, Lippmann, o consenso'. É o que se lê num ensaio muito interessante, 'O seducionismo de Edward Bernays e a entrega da humanidade', de autoria de Gustavo Gollo, publicado no GGN. Muito interessante, mas não a inteira verdade. Entretanto longe de se tratar de ou de tentar ser mais uma na enxurrada de 'notícias falsas' ('fake news'), de cuja existência passamos a nos inteirar recentemente, em si o texto de Gollo evidencia ao menos um dos elementos da cultura da massa (e do senso comum, por conseguinte) que propiciam e facilitam a absorção das 'fake news' pelos indivíduos, e que identifico como o esquecimento da História e - ou - o desprezo por ela.

Como e quando impérios gigantescos se mantiveram por séculos ou milênios desde a Antiguidade sem o favor de propaganda e seu resultado almejado, o consenso? Ah, lembra alguém ao lado, e quanto à violência, às guerras, em suma, à coerção pela força? É evidente que estas tiveram e têm seus lugares cativos na permanência das dominações, mas vamos concordar que do ponto de vista do dominador faz pouco sentido sair dizimando opositores sem antes tentar 'seduzi-los' (termo bem utilizado por Gollo) para as vantagens de se submeterem de vontade própria. Coerções por força geram submissão forçada, evidentemente, cuja manutenção tem custo nada baixo, sem falar nas perdas que em geral ocasionam, desperdício evidente de força de trabalho do viés de quem dela quer tirar partido privado, se antes não se tentou a via da sedução, o consenso via propaganda.

Igual a tudo quanto se apóia nas capacidades linguísticas, a propaganda não escapa de valer-se de argumentos, mas sua inerente urgência por resultados e o público diversificado a que tem de remeter-se tornam proibitivo o megulho mais aprofundado da argumentação, tornando-a capenga ou inteiramente ininteligível, mas sobrevivendo em virtude de ser reiterada ad nauseam, recurso que fez da propaganda a fama. Esta maneira de descrevê-la - incontornavelmente vinculada à argumentação - deixa a sugestão de a propaganda não veicular de necessidade ideias tolas, suspeitas ou nocivas: o problema, entretanto, está em que mesmo veiculando algo bom ou perfeitamente razoável, a propaganda o faz superficialmente, tem de o fazer assim, de modo que o consenso criado é frágil, sujeito a dissolver-se diante de outra onda repetitiva de ideias. Exemplos disso que de imediato me vêm à cabeça seriam duas revoluções, uma considerada universalmente (assim acredito) 'boa', a outra bem vista pela parte - digamos - 'progressista' da população: as revoluções Francesa e Russa, respectivamente, ambas germinadas á base de propaganda, a da primeira urdida ao longo de décadas do chamado Iluminismo em sua inerente crítica ao poder sempre crescente da aristocracia, a da segunda preparada durante ao menos década e meia e ao custo de um punhado de 'revoluções' menores e de resultados mais precários. Desnecessário seria dizer, mas dizendo-o, nada obstante: pouco ou nada delas sobrou nas ondas subsequentes de repetições de ideias que ainda hoje as conspurcam, distorcem, vilipendiam.

Bernays, Lippmann e, não esqueçamos, Goebbels, se algum serviço prestaram nesse contexto, foi o de darem nomes a esse fenômeno e de o adequarem aos então novos modos de torná-lo viáveis, como a imprensa, o rádio, a televisão etc. Quanto ao conteúdo, a 'propaganda' do século XX não poderia distinguir-se essencialmente da 'influência' que, por bem ou por mal, durante os dois últimos milênios o cristianismo - por exemplo - vem exercendo sobre seus seguidores, tornando-os em sorte de casta de consumidores da variedade enorme de produtos que oferece, desse modo enriquecendo como qualquer outro super-empreendimento capitalista. (Que não se leia nesta derradeira sentença qualquer julgamento quanto à consistência - por assim dizer - da doutrina cristã, e sim a inteiração de que a propaganda por cujo intermédio se disseminou por certo formou seguidores pouco advertidos do que ela de fato é.)

Mas, como se mostrou, tudo isto se consuma no terreno das ideias, campo em extremo mutável e frágil e no qual é possível imprimr-se qualquer coisa que simule fazer sentido - além do que efetivamente teria sentido - e que, por conseguinte, é passível de substituição por outra coisa cujo esforço para imprimi-la aí seja repetido o bastante. Ideias são capazes de acurralar manadas inumeráveis, mas não pelo tempo suficiente para extrair destas o que de interesse é para quem torna as anteriores em propaganda. E é no empenho de contornar essa limitação que o nosso tempo dá sinais de gestar algo próximo de genuína novidade nos termos da História. Os elementos, no caso, parece, são os mesmos, isto é, coação via ideias - propaganda - e coerção pela força, uma entrando em cena quando a outra falha, tradicionalmente utilizadas nesta ordem se o dominador faz uso da própria inteligência. A provável novidade (e escrevo 'provável' por possivelmente carecer da informação histórica concernente) seria a combinação desses elementos num mesmo gênero de veículo a ser (na verdade, já sendo) implantado em tudo quanto nos cerca e é útil, nisto inclundo-se os nossos pŕoprios organismos - e em muito breve via solução genética: o chip.

Formar consenso, uma vez esteja tudo conectado na preconizada rede mundial de coisas, será problema concernindo exclusivamente à química, bem como à física das adequadas emissões de estímulos para gerar diretamente na argamassa neuronal o que por eras acreditamos estar sob algum - quase sempre precário - controle pessoal, como certas emoções e, principalmente, a capacidade de raciocinar. Desse viés, acredita-se, não haverá mais possibilidade de dissenso, o que parece pôr por terra a necessidade de uso futuro da coerção pela força. Ledo engano, entretanto, o de quem supuser esse assunto encerrado por aí: primeiro, porque é verossímil admitir que o poder de controlar química e fisicamente vários ou todos os aspectos do pensamento dum indivíduo inclui a capacidade de 'desligá-lo' e, segundo, porque a possibilidade de incômodo causado por algum de nós a quem se propõe dominar-nos não se restringe ao discordarmos do que pensa, podendo advir também de nossa singela presença, sempre que considerada intolerável ou somente dispensável. E isto sem mencionar a violẽncia em si que é o controle de um indivíduo por outro, seja de que forma for, em especial dessa, a de manejá-lo desde as entranhas. Consenso e coerção pela força, enfim, tornam-se uma coisa só, é provável que, entre outras formas, sob a da pílula.

Por fim e por sorte o sucesso desse projeto monumental de 'coisificar-nos' junto às geladeiras, automóveis, computadores, brinquedos e o que mais for só terá lugar depois do que terá de ser - ou já vem sendo - o derradeiro esforço propagandístico via meios tradicionais, isto é, valendo-se da repetição exaustiva de ideias pouco claras para produzir influência sobre os indivíduos, que além de última deverá ser a maior campanha publicitária de todos os tempos, dirigida a convencer-nos à ingestão da tal pílula. Por azar, entretanto, os criadores de tal camṕanha têm uma determinada vantagem que por certo lhes poupará milhões em dinheiro, vantagem que vimos lhes oferecendo pouco a pouco ao longo desses cerca de seis milênios de História escrita e que se evidencia particularmente durante o século XX, mais especificamente com a criação e a universal aceitação da geringonça a que demos o nome de 'controle remoto'. Por meio dele pudemos sonhar a concretização de espécie de delírio coletivo, é quase certo derivado de alguma forma degenerada de compreender o sentido de 'idealismo' (o utilizado na filosofia), delírio de o controle do mundo com toques de nossos dedos ser o prenúncio de que em breve o controlaríamos de modos mais sutis, como o mero pensar: no fundo é como se almejássemos abdicar do todo que entendemos por trabalho físico, passando a desfrutar de vida exclusivamente 'espiritual', coisa que ao longo das eras vimos atribuindo a deuses e mortos.

Expressão hiperbólica da 'lei do menor esforço', essa descrição da compulsão de nossa cultura - hoje, na prática, mundial - por delegar a seja quem ou o que for os restantes encargos da condição de viventes pode não estar nada distante da realidade. É nela que se sustenta, além dos aspectos insanos da corrida tecnológica, o modelo quase universal de sociedade dividida em governados e governantes, por exemplo, em que aspectos cruciais das vidas dos cidadãos são transferidos, quase sempre de iniciativa própria, a punhado de indivíduos. E é por ela que se faz irrecorrível o sucesso da mencionada derradeira campanha publicitária para cedermos a 'outrem' os últimos e mais recônditos direitos dentre os poucos de que viemos dotados desde o útero, já que o chip do marcapasso dependerá em breve de algo - é provável que d'o algoritmo' - nalgum ponto da rede para o adequado funcionamento, assim como a dose certa de insulina e o monitoramento celular sem pausa para prevenção de doenças, sem falar nas trajetórias dos automóveis (agora mais 'auto' do que jamais), da vigilãncia amorosa dos entes queridos, da comida no refrigerador e por aí vai. Considerado o que por eras elegemos como 'indispensável', tudo indica haver desta vez os argumentos mais convincentes para sermos por fim eximidos também da quase obsoleta necessidade de argumentar.

Creative Commons License
This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivs 3.0 Unported License