quarta-feira, agosto 28, 2024

Da expansão do universo - se houver sorte

 Se em certo sentido tiver sorte, um dia admitirá que o universo se expande. Quando aquela cena distante faz pouco avistada - ainda que fortemente desfocada, quase incolor - virar ponto no horizonte, fundidos seus personagens na negra e imóvel insignificância. Saberá que algo está lá, que é importante, não do que se trata. Como ousou não se importar em fotografar, rabiscar os contornos, anotar a descrição? Não será então menos importante, como todo novo incômodo, entretanto.

É que não há marcos o suficiente, como o que se foi, fincados terreno afora com a noção diária do espaço entre as coisas desde quando não precisava medi-lo, quando tudo nele importava demais para que se importasse. Mas como acontece com o que é de importância, deixa de o ser com a conivência. Como os elementos da padronagem cobrindo o terreno até onde se vê, miúdos, cotidianos como a escova de dentes e o ir para a cama sem apagar a luz, o sol de tarde e o extrato bancário com a pensão, as esperas sem visita, repetindo-se ao léu, mas rigorosamente. Uma hora, é de pensar, nem mesmo esses serão discerníveis com o estiramento da terra onde deitam raiz, de que se queixou um vizinho, tão esgarçados seus desenhos que de primeiro eram o de mais importante que tinha para olhar, e com o tempo sequer os discernia no barro rachado, muito talvez por cansaço da vista.

Um dia, é certo que se tiver sorte, verá terra assolada, sem nada que possa importar. Noutro, com um tanto de sorte a mais, terá visto enfim coisa alguma.


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