sábado, fevereiro 28, 2015

Tenho dito e repito!

Vive-se com essa ideia de liberdade por sobre as cabeças e tem-se o seu objeto pelo mais alto dos almejos humanos.

Mas liberdade para quê? Para fazer o que bem endender: a resposta óbvia. Em outros termos: é-se livre para escolher, escolher o que fazer.

A questão aqui é: mesmo livres para escolher, reiterada, vergonhosamente erramos: com tal garantia de acerto, estamos mesmo bem arranjados em ter a liberdade pelo que de mais alto almejamos ou podemos almejar. Então, como nada garante que acertemos na condição de seres livres, e como que para não dar o braço a torcer, diz-se que errar é humano, além de que o errado está no caminho de aprendiz. (Eufemismo não é o que nos falta à lábia...)

Mas fato é que errar ensina. Ensina ao menos o que não se deve tentar de novo e ao menos para os mais atentos. E isto, é fato também, também não é garante de futuros acertos.

Agora pensemos no indivíduo ideal, idealmente sabedor de tudo: desnecessário indagar se incorreria em erro. Por mais que achássemos, nós, normais, que diante de si teria ele miríade de escolhas possíveis e, em consequência, miríade de oportunidades de errar, o afortunado indivíduo jamais dá com os burros n'água. Vai sempre na alternativa correta.

Pergunta-se, assim: esse sujeito tem de fato escolha? Eu sugeriria que não. Não escolhe. Não escolhe porque não tem outra coisa a fazer senão executar o que está certo de funcionar. Seria tolilce - para si e para quem quer que saiba o que é correto - fazer de outro modo. É como o bem treinado enxadrista diante de mate em três, situação com que pode não atinar de imediato o jogador menos qualificado e assim chegar tanto à vitória por caminhos tortuosos, quanto a ridícula derrota. O mestre não tem alternativa - salvo tenha decidido perder - e assim seguirá o que lhe ditar a lógica do jogo.

Se antevíssemos os resultados de nossos atos (de nossas escolhas) como o mestre do xadrez antevê o mate em três, é evidente que escolheríamos a ação adequada. Ou melhor: escolheríamos? Teríamos à disposição a alternativa de realizar outra coisa que não o adequado? É evidente que não.

Pode-se assim dizer que o sábio não tem escolha, não escolhe. Não escolhe por não ser tolo, e sim, sábio.

Então, quando se fala muito em liberdade, querendo dizer nada mais do que a incerteza na escolha, fala-se muito em admitir e tolerar a própria estultice, em admitir e tolerar a incapacidade de tomar a decisão correta e, talvez por sorte, vez por outra acertar. É evidente, toda escolha se dá pelo melhor - ou seja, pelo que se estima ser o melhor, ou o bom, o inteiramente bom. Mas como se ignora o quanto envolve o escolhido, isto pode revelar-se, inclusive, como o pior.

Portanto, é mister reavaliarmos a dimensão da ideia de liberdade no contexto das aspirações ou dos direitos do homem, pois assim como é vulgarmente concebida, liberdade é o que se tem - ou se conquista - apenas para se incorrer em erro. E, claro, para acreditar que algo de bom ainda sobra de todo o embrulho, em particular com a alegação - meio verdadeira, ainda que sincera - de que 'liberdade se tem, inclusive, para errar': correto mesmo seria dizer que 'liberdade se tem para exclusivamente incorrer em erro, caso não se conte com a sorte'!

Pois bem, para quem fez sentido esta exposição: é certo que pensará ao menos duas vezes antes de dizer-se livre (a menos que livre de obrigação, e desde que cumprida, é evidente: livre do dever - não mais). Em suma: a escolha, que não é garante de acerto, se faz não por se ter 'liberdade', mas para livrar-se de seja o que for. Não é por ser livre que o indivíduo escolhe, mas para tornar-se livre, condição supostamente inalcançável, uma vez que, tendo (ou não!)  resolvido um problema, um novo de imediato se impôe, caso já  não se tenha imposto quando o anterior ainda não tinha solução.

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