segunda-feira, fevereiro 20, 2017

De igualdade e justiça que o dinheiro pode prover

A continuada birra minha com o uso - em qualquer contexto e em particular no das 'inexatas' ciências sociais - de expressões como 'mais justo' e 'mais igual', além de suas variantes deprimentes 'menos injusto' e 'menos desigual'. Conspurcam os conceitos 'justeza' - ou 'justiça' - e 'igualdade', que por definição não comportam modulação e só podem ser afirmados ou negados, e o fazem, nas questões sociais, a serviço da conservação do statu quo capitalista, dando a impressão de o capitalismo ser amenizável por mais do que períodos breves: desnecessário ser especializado em História para chegar a tal conclusão, bastando haver alguma memória das alternâncias vividas em períodos de quinze ou vinte anos.

Na raiz desse uso indevido - que vem caracterizando a opção do indivíduo pela esquerda do espectro político - está a expectativa sempre renovada de salvaguardar a funcionalidade do dinheiro, embora 'disciplinando-o', enquanto depositário da ideia não menos distorcida de liberdade que a antiquíssima doutrina liberal vem impingindo-nos com sua propaganda faz séculos. Persistirá a impressão de que o dinheiro é somente outra vítima do mau uso enquanto o seu emprego passar por modo particular de exercer o livre arbítrio, ou seja, enquanto sobreviver a ilusão de ser possível a escolha incondicionada, por assim dizer, livre de quaisquer constrangimentos, quando na verdade se escolhe premido pelo imperativo do bem, pela determinação de obter o bom, embora em grande medida se ignore como o fazer.

Essa concepção de liberdade de escolher é a mesma a orientar quaisquer jogos de azar, em que se faz lance ao acaso e se tolera - quando possível - o mau resultado, sendo útil exclusivamente para donos de cassino e quem faz fortuna com vender. Trata-se, pois, do que há de pior ou é veementemente contraindicado para a natureza humana, que é em essência conhecer e, por conseguinte, ver-se lvre - sim, mas - da sua condição inicial de indizível ignorância. De modo que não haveria liberdade a priori, mas a posteriori, a ser conquistada sobre a ignorância e ad aeternum, pois é suposto que sempre se estará ignorando algo.

Em vista disso é de imaginar que o dinheiro, quando empregado por indivíduos empenhados em lutar sem pausa contra a tirania da própria ignorância, possa ser parte de um mundo autenticamente virtuoso (e não de um apenas 'mais virtuoso'). Se tal virtude, então, está no que se entende por 'justo' ou por 'igualdade de oportunidades', é de supor que a exata distribuição de dinheiro - num hipotético e cristalino universo da carochinha, concedamos - será contribuição apreciável na consecução da justiça. Neste caso, entretanto, que propósito ou sentido há em continuar usando-o? Vê-se por aí o que vai no espírito de quem se tem por 'à esquerda' no espectro político e concebe distibuição apenas 'mais justa' ou 'mais igual' disto que por natureza própria deixa de ter propósito ou sentido quando os significados de  'justiça' e 'igualdade' são preservados.

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