"Respondendo a seu mail, eu agi. Se "escolhesse" nada mais responder, estaria igualmente agindo? Olhe que essa linha de pensamento leva longe. Pelo menos até o deserto, com uma pedra para sentar em cima, à maneira do famoso ermitão." (Humberto Marini)
O deserto é para onde se dirigem, com certeza, os verdadeiros seres pensantes. E de lá jamais sairão, não por culpa da vastidão, de fato incomensurável, mas por vontade própria ou por instinto de sobrevivência, pois se trata do seu habitat.
Sua esperança - ou seu desejo - é o de chegar ao menos a um oásis, ainda que aí só encontrem poça d'água, nenhuma vegetação, visto ser incerta a presença de sequer nichos assim parcos nesses exílios do espirito. Pois tais eremitas sabem que, existindo algum, há boa chance de haver outros, às vezes luxuriantes, entenda-se, dessa luxúria que só o contraste com a aridez faz ver.
Mas dão-se por satisfeitos se concebem uma miragem, aliás, sua maior cobiça, já que miragens, ao contrário dos oásis, nunca ficam para trás quando é imperativo seguir caminho e jamais se apresentam mirradas: estarão sempre a certa distância dos olhos e figuram o paraíso almejado onde seu vagar teria fim.
Sorte terá algum se der com algo como uma pedra para sentar-se, o que, com certeza, só fará por instantes, uma vez que estará muito quente ao longo do dia e muito fria à noite. Seu propósito, entretanto, é tão arraigado que mesmo desdenha da possibilidade de descanso, inclusive nas horas intermediárias do crepúsculo e do amanhecer, quando é amena a temperatura e pode parar brevemente.
Sendo doutos, estão advertidos das incertezas dos céus e inteiramente aptos a caminhar por linhas retas à mercê duma estrela, o que muitos fazem, embora preferindo andar em círculos: primeiro, em vista da perfeição da forma, sentimento inexplicável que os compraz; depois, por fiarem-se no mapa em que se demonstram a imobilidade, a finitude e a redondez do mundo inteiro, pelo que conhecem a impossibilidade, caso existisse o movimento, de chegar-se a outro ponto senão aquele onde já se encontram (e nada obstante seguem caminhando, decerto por ato reflexo, pois não crêem mesmo que de fato o fazem); enfim, movem-se em círculos por conhecerem que toda reta possuindo mais de dois pontos é fragmento de arco cujo raio é imensurável, preferindo alguns trilhar curvas finitas a entregarem-se à aventura de jamais reverem o lugar donde partiram.
E, não sendo poucos tais caminhantes, admira que jamais se cruzem os seus caminhos - há quem suponha existirem tantos desertos quantos há de seus ermitães, desertos paralelos que, como se acredita, se tocam no infinito. No entanto, é comum conversarem, mas nada se vê à sua frente. E em tais monólogos, em verdade diálogos partidos ao meio, prevalece de hábito a discórdia.
Rio, 05/06/2006
Waldemar Mendonça Reis
O deserto é para onde se dirigem, com certeza, os verdadeiros seres pensantes. E de lá jamais sairão, não por culpa da vastidão, de fato incomensurável, mas por vontade própria ou por instinto de sobrevivência, pois se trata do seu habitat.
Sua esperança - ou seu desejo - é o de chegar ao menos a um oásis, ainda que aí só encontrem poça d'água, nenhuma vegetação, visto ser incerta a presença de sequer nichos assim parcos nesses exílios do espirito. Pois tais eremitas sabem que, existindo algum, há boa chance de haver outros, às vezes luxuriantes, entenda-se, dessa luxúria que só o contraste com a aridez faz ver.
Mas dão-se por satisfeitos se concebem uma miragem, aliás, sua maior cobiça, já que miragens, ao contrário dos oásis, nunca ficam para trás quando é imperativo seguir caminho e jamais se apresentam mirradas: estarão sempre a certa distância dos olhos e figuram o paraíso almejado onde seu vagar teria fim.
Sorte terá algum se der com algo como uma pedra para sentar-se, o que, com certeza, só fará por instantes, uma vez que estará muito quente ao longo do dia e muito fria à noite. Seu propósito, entretanto, é tão arraigado que mesmo desdenha da possibilidade de descanso, inclusive nas horas intermediárias do crepúsculo e do amanhecer, quando é amena a temperatura e pode parar brevemente.
Sendo doutos, estão advertidos das incertezas dos céus e inteiramente aptos a caminhar por linhas retas à mercê duma estrela, o que muitos fazem, embora preferindo andar em círculos: primeiro, em vista da perfeição da forma, sentimento inexplicável que os compraz; depois, por fiarem-se no mapa em que se demonstram a imobilidade, a finitude e a redondez do mundo inteiro, pelo que conhecem a impossibilidade, caso existisse o movimento, de chegar-se a outro ponto senão aquele onde já se encontram (e nada obstante seguem caminhando, decerto por ato reflexo, pois não crêem mesmo que de fato o fazem); enfim, movem-se em círculos por conhecerem que toda reta possuindo mais de dois pontos é fragmento de arco cujo raio é imensurável, preferindo alguns trilhar curvas finitas a entregarem-se à aventura de jamais reverem o lugar donde partiram.
E, não sendo poucos tais caminhantes, admira que jamais se cruzem os seus caminhos - há quem suponha existirem tantos desertos quantos há de seus ermitães, desertos paralelos que, como se acredita, se tocam no infinito. No entanto, é comum conversarem, mas nada se vê à sua frente. E em tais monólogos, em verdade diálogos partidos ao meio, prevalece de hábito a discórdia.
Rio, 05/06/2006
Waldemar Mendonça Reis
Um comentário:
Mares ou desertos, tanto faz. Concordo que a genuína busca do conhecimento (do auto-conhecimento, o que é o mesmo)nos conduz a uma solidão que não é isolamento ou abandono, mas introspecção. E aí, a simples proximidade do shopping center de idéias que é o senso comum nos aborrece. A arquitetura é grosseira, mas própria para ecoar frases feitas.
Apenas um correção. Em: " No entanto, é comum conversarem, mas nada se vê à sua frente. E em tais monólogos, em verdade diálogos partidos ao meio, prevalece de hábito a discórdia", acho que ficaria melhor: " No entanto, é comum conversarem, mas nada se vê à sua frente. E em tais diálogos, em verdade monólogos partidos ao meio, prevalece de hábito a discórdia".
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