quarta-feira, fevereiro 29, 2012

Ciência e desespero

O cosmos é imperfeito. Nada é perfeito. Postular ou supor o contrário é mero sintoma de lassidão que, por sua vez, é sinal de ser o indivíduo consciente de sua impotência em face das coisas. Essa consciência é especial, pois sabe ter ao menos algum poder sobre elas, poder equivalente, em verdade, ao de animal qualquer: o de produzir não mais do que alguma modificação no entorno, a suficiente, em geral, para lhe manter a condição, de vivente. Pois tudo refere, em última instância, o prolongamento possível do fio vital. A vida só quer viver - teria dito um poeta. Eis o único paradigma possível de perfeição.

Justo aí começa o pasmo, o assombro do deparar-se com a idéia da totalidade: começa no contraste entre a irredutível complexidade constatada no universo e o destino inexorável do que o constitui, a extinção. Tudo se extingue (quiçá mesmo a totalidade), nada obstante ter a vida por princípio - ou por essência - prorrogar-se pela eternidade. Daí, por derivação de sentido explicável talvez na constatação da impotência para obter o que de fato importa (a eternização da vida), o assombro é entendido como deslumbramento, processo semelhante àquele por que passam uns torturados, ao fim amando quem os torturou.

Outra explicação para esse desvio de significado: vaidade, prazer de contemplar visão exclusiva das coisas, à qual se chega por obra própria da compreensão. A maravilha não estaria, assim, na estrutura labiríntica, abstrusa, do que se observa, mas na capacidade de observá-la desse modo e de se o ter feito por esforço próprio, seja como indivíduo, seja como espécie. O universo como espelho para a inteligência, como o foi para Narciso a fonte.

Há algo além. O conhecimento traz implícita a perspectiva de o indivíduo melhor manipular o mundo e com isso a esperança de chegar ao fim que lhe interessa. Isso é o maravilhamento. Por outro lado lhe ensina o que de fato é diante de tudo mais: peça, tão-só, de mecanismo indivisável na totalildade e, em consequência dessa grandeza, imune a todo controle, salvo o de umas poucas partes, essas ínfimas como ele mesmo. E aí está o pavor.

Em última análise o conhecimento só nos provê do modo como as coisas findam. Por isso define. A única ciência - a única possível - é a escatologia. A idéia de que por seu intermédio se chegará a reverter a finitude não passa de lenitivo. É a maneira de a consciência suportar, na condição irreversível de conhecedora, a decepção que lhe oferece o conhecimento: mero auto-engano.

Um comentário:

Antonio Caetano disse...

Que lindo!


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