segunda-feira, junho 11, 2007

Livre e abreviada teoria das democracias

Como pode ser justo um sistema político no qual todos sustentam como insígnias suas mais miseráveis diferenças? A bem da verdade sequer há consenso, na prática, de sermos todos humanos, de necessitarmos basicamente das mesmas coisas ou mesmo de coisas semelhantes. Espalhados pelas manchetes de jornais, exemplos disto só nos convidam a concordar com Churchil, para quem a democracia seria o melhor dentre os piores sistemas de gestão pública.

Exageros à parte, estes não podem ser motivos para darmos as costas para o sistema democrático e partirmos em busca de um mais apropriado. E a razão é, pelo menos em princípio, inexistir outro capaz de oferecer ao indivíduo melhor perspectiva de liberdade - assim como de hábito é concebida. Se a história não mente, o ser humano praticou já todos os possíveis métodos de organização comunitária, os quais, valendo-se da lógica mais rasteira, contam-se nos dedos de uma só mão: ou governa um indivíduo, herdando ou não o cargo, ou governam alguns, que igualmente podem ou não transmitir suas funções, ou, por fim, governam-se todos.

De novo com o auxílio da lógica é possível afirmar que, desconsiderada a quantidade de governantes, é a totalidade da população que outorga a estes as atribuições que têm - não fosse assim, governar-se-ia quem? Em suma, é sempre o povo que governa. O segredo de imperadores, ditadores, presidentes, legistladore, resume-se em manter a massa em dissensão continuada, pois é na ciosa administração das desigualdades que reside o poder, assim como é ordinariamente entendido o termo. Um tirano competente jamais delibera contra porções significativas da população. Do outro lado, um povo tiranizado, prova cabal de masoquismo coletivo, nada obstante cuida de moderar os efeitos do jogo político ou perece.

O poder democrático é passível de descrever-se, segundo é comum entendê-lo hoje, como o exercido por déspotas potenciais coagidos pelas massas, enfim esclarecidas, à negociação. Figuras assim seriam versões políticas de pais benevolentes, não fosse mais forte a vocação para o domínio a transformá-los em sólidos personagens num enredo em que a população, sem o perceber, permanece manipulada. Por isso é mais fácil definir democracia como o padrão de gestão coletiva admitindo variantes ao longo das eras, nas quais os indivíduos participam mais ou menos das decisões de um governo central, tendo-lhe previamente outorgado e continuando a lhe garantir a atribuição de governar. Como se vê, não pode haver motivo para dar-se as costas à democracia em favor de outro sistema, visto não existir a alternativa: melhor do que uma dada democracia só mesmo outra melhor - ou não tão ruim, se quisermos aderir à ironia de Churchill.

A quem está convencido, chegando neste ponto do ensaio, tratar-se tudo de puro non-sense, fica a sugestão de analisar, ainda que de maneira superficial, a evolução (no sentido de malabarismos, acrobacias - segundo sugestão de Antonio Caetano) das democracias no correr do último século. Em todas é visível a cuidadosa cisão das massas jogadas, assim partidas, umas contra as outras; e mesmo em momentos de maior participação coletiva prevalece ainda a separação em blocos, dos quais sobressaem líderes cuja função mais significativa é a de manter aquela facção centrada no quanto a distingue das demais, forma esta de perpetuarem suas respectivas influências e, tendo na retaguarda contingentes consideráveis de indivíduos, obter determinados privilégios, sempre mais pródigos para si do que para suas bases. Finda a análise, o bom observador terá concebido espécie de imagem tingida de uma única cor em vários matizes e jamais esquecerá de que oligarquias, despotismos e mesmo realezas são partes mais ou menos ativas, mais ou menos fortes, da democracia como até hoje a conhecemos. Tudo, como não poderia deixar de ser, de conluio com a patuléia.

A associação de idéias como a de perfeição democrática com educação não é casual. A despeito do grau de conhecimento de distintos membros de uma sociedade, esta se move numa massa de informação cujo nome é senso comum. Tanto mais o senso comum de uma população se aproxima dos níveis de conhecimento ditos de excelência, maior tende a ser a liberdade de cada indivíduo, ou seja, maior tende a ser sua auto-suficiência. Nada mais natural: senso comum é o repositório do saber de uma comunidade, é onde se preservam os meios de esta lidar com seu entorno visando a sobrevivência. E toda política, sendo, como é, arte de administrar ou manipular as massas, tem de lidar, evidentemente, com esse conhecimento rigorosamente acessível a todos, ou não sucede.

Mas a educação em quaisquer das modalidades de democracia conhecidas tem de, para manter-se coerente com o princípio de dominação, exercer-se num determinado âmbito, fora do qual torna-se atividade subversiva. Ensinar-se-á, assim, a conservação das instituições políticas vigentes, jamais seu real aperfeiçoamento. Uma mancheia de educadores de aluguel terá torcido os narizes para tais afirmações presumindo que educam para a liberdade, para a livre-iniciativa, portanto, para prover o mundo de gerações cada vez mais aptas a corrigir os desvios do poder público. E de fato é improvável encontrarem-se dois momentos consecutivos quaisquer em que não tenha havido alguma reforma, algum aperfeiçoamento, a despeito de persistirem falhas incontáveis e, o pior, descontentamento quase universal: mudar é revolver, sendo também condição inescapável das coisas no mundo.Assim, prescrevem as gestões públicas: se é imperativo mudar, que se o faça então em pequenos bocados, sutis revoluções que não desandem a ordem coletiva. Formam-se, portanto, pela educação consensualmente tolerada, pequenos revolucionários, indivíduos capacitados a manter ao máximo as condições próximo de certo estado admitido como ideal para a conjuntura vigente. A única razão a conservar de pé as democracias como as conhecemos, por quase perfeitas que sejam, parece ser a esperança em cada um de nós de um dia passarmos pelo funil conduzindo a sucessão de privilégios, à imitação dos poucos que nos últimos decênios o fizemos: e tal em nome da renovação, das pequenas e controladas revoluções em cujos finais é possível constatarmos a presença de grupo de atores diferente do anterior, mas desfrutando de privilégios idênticos. Por isto são raros os grandes revolucionários, mesmo aqueles praticantes e pregadores da paz, que em tese não o fereceriam qualquer incômodo, mas talvez que por isso mesmo sejam caçados e suprimidos.

Por força da intuição, entretanto, sabemos todos como de fato tem de ser a melhor democracia: cada qual conhecendo exatamente o que de melhor fazer e, o principal, sem prejuízo de ninguém (uma coisa, na verdade, acarreta a outra, mas não custa reiterar). Em vista de como estimamos nosso caráter mediano, tal intuição define comunidade de sábios, seres imagináveis e mesmo reconhecíveis, mas a quem é impossível imitar, segundo se crê em consenso. Na raiz de tão insensata crença, entretanto, reside equívoco secular, pelo qual a figura do sábio metamorfoseou-se naquela do indivíduo provido de grande quantidade de informação tornando-o apto a manipular ou dominar o meio ao redor, a natureza, nela incluídos seus semelhantes. Antes, por milênios, o sábio foi, ao contrário, aquele capaz de manipular ou dominar a si mesmo, sua natureza pessoal. Uma democracia no limite da perfeição só pode ser praticada, evidentemente, por sábios à moda antiga. Essas democracias 'quase perfeitas' - e, ainda assim, tão insatisfeitas - hoje circundando-nos ou circundadas pelas nossas (a meio-caminho da perfeição das primeiras), têm-se mostrado como exemplos de gestão pública abundando em sábios à maneira moderna, sábios entre cujas especialidades está a acurada manipulação de seus semelhantes, sejam estes sagazes ou não. Suas ações estendem-se, não raro, a populações estrangeiras, pelo que não demonstram serem deveras auto-suficientes tais sábios à moda recente, sempre necessitando do esforço alheio provendo-lhes do que viver.

A educação capacitadora de cidadãos em verdadeira liberdade constitui-se de princípios de Ética antes de princípios das demais ciências, dois gêneros de princípios que, por sinal, não discrepam, embora sem os do primeiro tipo os do último tendam a desgovernar-se em presunção. Com os princípios éticos é possível chegar-se a uma ciência limpa, capaz de extrair do entorno apenas o suficiente e sem o concurso de massa de indivíduos manipulada para atender aos fins de outros, menos numerosos. A democracia perfeita, constituída por homens sábios é, por fim, alcançável sem transtorno maior do que uma inflexível boa vontade e já possui mesmo um nome, sendo definida como o federalismo tendo por limite apenas o indivíduo, sua unidade menor: Anarquismo. Assim se intitula o pacto no qual o homem professa entender que sua liberdade existe em função da fraternidade e, principalmente, da igualdade, conceitos enfim alçados da condição de meras promessas e mantendo distância segura das definições que lhes atribui a sabedoria de tipo moderno. Em tal pacto a convicção das partes não oblitera a noção do todo, as dificuldades são resolvidas topicamente - pois singulares são as condições de cada ponto do planeta - e nacionalidade será apenas designação geográfica. O acúmulo de riquezas, em vista do custo do futuro, só terá sentido se administrado pela totalidade dos indivíduos e é possível ser-se, quando assim se o desejar ou preciso for, engenheiro, operário, médico, lixeiro, músico, lavrador etc, embora jamais presidente, general, polícia, juíz, pois o pecado não se faz mais perceber tanto a norte quanto a sul do equador. Entretanto são todos - questão de ordem - legisladores, investigadores insaciáveis de regras segundo a ocasião, mas orientadas por par de princípios que, a bem dizer, são conhecidos de nascença: produzir o melhor (sem prejuízo de ninguém - não custa insistir). Fora essa, temos mesmo de contentar-nos com estar em alguma das melhores dentre as piores democracias.

Em 11 de junho de 2007

Waldemar M. Reis

Um comentário:

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